Seitas, religião e fé


Desviados: A porta estreita do caminho cristão.



Novembro/2011

"Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em alguns momento se em algumas circunstâncias, fazer com que elas sejam seguidas. Regras sociais definem situações sociais e os tipos de comportamento apropriados a elas, especificando algumas ações como "certas" e proibindo outras como "erradas". Quando uma regra é imposta, a pessoa que se supõe tê-la transgredido, pode ser vista como um tipo especial de pessoa, alguém que não se espera que viva segundo as regras com as quais o grupo concorda. Ela é vista como um marginal ou desviante"
                                                                                                Howard S. Becker


A exclusão explícita de um grupo social por quebra de regras, mediante assembléia ou ordenado pelo poder constituído, é legitimado por um corpo de leis, previamente aprovada em sua elaboração ou totalmente aceita no momento de entrada no grupo ou instituição.
A Religião, uma das formas gregárias mais elementares que se tem conhecimento, introduz uma instância superior aos dogmas e aos compêndios literários que embasam suas regras de fé, práticas e condutas: O elemento divino. Esse elemento, razão de ser do próprio grupo, sugere uma relação empírica, porém, coadunado com as praticas doutrinárias e com a obediência à liderança que, em vias de regra, é "eleita" pelo próprio deus.
Nos grupo pesquisado nesse trabalho, procuramos observar como a personalidade se acomoda nos ajustamentos às forças externas, partindo da primícia que o homem é uma criatura que procede a diferenciações(simmel, pag22); tomamos o homem metropolitano exposto a toda sorte de estímulos ao caráter sofisticado da vida psíquica urbana, em oposição a vida de pequenas cidades rurais que descansam mais sobre os relacionamentos profundamente sentidos e emocionais, enraizando-se nas camadas mais inconscientes do psiquismo, crescendo sem dificuldades ao ritmo constante da aquisição ininterrupta de hábitos.
Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem honroso nem desonroso(goffman, pag13), porém, o desviado cristão trilha um percurso desonroso por ser excluído explicitamente do rol de membros, ser coagido a sair ou sair por livre e espontânea vontade, porém, em todos os casos, há uma carga de “maldição” implícita na conduta de quem fica, mesmo que compartilhe das mesmas frustrações ou desilusões que ocorrem em qualquer grupo social. Quando normais e estigmatizados realmente se encontram na presença imediata uns dos outros, especialmente quando tentam manter uma conversação, ocorre uma das cenas fundamentais da sociologia porque, em muitos casos, esses momentos serão aqueles em que ambos os lados enfrentarão diretamente as causas e os efeitos do estigma(goffman, pag23). O membro que é definido como desviado, que leva esse estigma particular, tende a ter experiências semelhantes de aprendizagem relativa à sua condição e a sofrer mudanças semelhantes na concepção do eu. Uma carreira moral semelhante, que é não só causa como efeito do compromisso com uma seqüencia semelhante de ajustamentos pessoais na esfera de sua relação com o sagrado e o profano.
Os que se agrupam numa subcomunidade ou meio podem ser denominados de desviantes sociais e a sua vida corporada pode ser chamada de comunidade desviante constituindo um tipo especial, mas somente um tipo, de destoante. O termo “comunidade desviante” parece não ser inteiramente satisfatório à nossa análise, porque obscurece duas questões: se a comunidade é ou não peculiar segundo padrões estruturais derivados de uma análise da caracterização das comunidades comuns; e se os membros da comunidade são ou não desviantes sociais. O desviado social cristão, tem como peculiaridade o fato de que ao quebrar as regras, saber que Seu juiz nunca será o desviante, podendo sim, salientar a deficiência das regras dogmáticas ou até doutrinárias relativizando tempo e espaço no caminho à liberdade existencial.
Segundo Becker, a perspectiva mais simples de desvio é essencialmente estatística, definindo como desviante qualquer coisa que varie de forma muito ampla em relação à média. Colocada assim, a visão parece simplista, e mesmo trivial. Mais ainda, simplifica o problema colocando de lado muitas questões de valor que em geral surgem em discussões sobre a natureza do desvio, no caso cristão, há o evento de uma conversão bidimensional ou sócio-espiritual, que não se aborta quando o indivíduo sai do convívio da comunidade e sim, ainda com laços fulgurantes e convicções inabaláveis a sua fé, porém, o conflito, essencial ao desenvolvimento social que, segundo Simmel, em sua principal análise, não é nem o individuo nem a sociedade em si, seu interesse se focaliza sobre a interação criadora entre esses dois pólos extremos: a produção da sociedade pelos indivíduos; e a conformação permanente dos indivíduos pela sociedade, constitui, neste sentido, a matriz fundadora do vínculo social. Situando-se no ponto de vista contrário a Durkheim, Simmel privilegia, portanto, não a pressão social, mas o “devir” da sociedade. Sendo assim, a perspectiva funcional do desvio, ao ignorar o aspecto político do fenômeno, limita nossa compreensão.
O desviado cristão não tem, em sua gama de argumentos, que essa categoria é criada pela sociedade e que o desviado é alguém a quem o rótulo foi aplicado com sucesso; comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam como tal, sua legitimação independe do sujeito desviado ou de como as pessoas reagem a ele, pois não precisa haver conseqüência para que surjam regras, as regras sociais criadas por grupos sociais específicos tem blindagem divina e a interação entre os “normais” e os estigmatizados é vista como contagiosa e perigosa à manutenção da ordem vigente.
Concluímos que nessa classe de desviados sociais, os cristãos exclusos de suas comunidades, existem fenômenos além da mera compreensão sociológica. Um respaldo histórico, político-social é necessário para embasar os interesses “divinos” e compreender as sociações entre as diversas ramificações religiosas no mundo cristão. Estima-se que só os cristãos evangélicos somem 40 milhões de desviados, segundo o IBGE, e uma pergunta logo rasga nossa consciência: desviados de quê? ou de quem? A resposta que provavelmente não satisfará a pergunta, pode estar nas formas de relação social sedimentadas através dos séculos em detrimento de suas regras de fé e conduta.

 Sidnei Oliva

Bibliografia:
goffman, Erving “ Estigma”, “A representação do eu na vida cotidiana”
simmel, Georg “a metrópole e a vida mental”
Becker, Howard “Outsiders”